Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
A vida sempre lhe sorrira fértil em sonhos que se iam transformando em realidades que sugeriam novos sonhos, numa sucessão infinita de probabilidades pensadas nos sonhos e que partiam de si alegremente à conquista da luz e da alma que as solidificasse em realidade.
Vivia numa cidade pequena dos estado de Minas, mulata, de corpo altivo e olhos luminosos de uma vivacidade que a tornavam temida, porque as suas palavras eram cortantes, não ofendiam, mas cortavam dos sonhos alheios, a magia .
Casou e projectou viver em harmonia uma vida plena de momentos doces de felicidade. Sabia que dois destinos, duas almas, duas vontades, era algo de diferente, não era pai, não era mãe, era ela e um outro ser, um homem que lhe parecia uma alma capaz de complementar as insuficiências que via inscritas nos seu sonhos.
Tiveram três filhos, na ânsia de se multiplicarem, de se expandirem em amor. Três filhos lindos que eram o seu orgulho de ser mãe.
O marido de Leila, seu Raimundo, que sempre mostrara uma total afeição pela esposa, sofria de um mal psíquico que não estava totalmente descoberto, nem de si, nem em si e se mantinha num secretismo absoluto, no mais profundo leito da sua alma.
Um dia em que Leila saiu para umas compras de Sábado de manhã, ela que era uma mãe muito possessiva, terna, previdente, quando estava nas compras sentiu uma sensação estranha vinda de dentro a tomar-lhe o pensamento todo, a apertar-lhe o peito, a descompassar-lhe as batidas do coração. E deu como que um grito: Não!...e saiu disparada,deixando as compras no carrinho do super mercado.
Correu esbaforida para sua casa que era térrea e tinha um quintal grande onde plantava flores e alguns legumes para suprir necessidades básicas e que tinha um poço de grande profundidade, fundo escuro, fundo mágico onde o seu rosto por vezes ondulava quando atirava pequenas pedras para lá e as águas se agitavam em círculos luminosos que lhe transmitiam sinais.
E eram esses círculos ou sinais que a alertavam agora, para algo de terrível que estaria para acontecer.
O quadro que se lhe deparou era Dantesco: seu Raimundo amarrara os três filhos e os colocara num carrinho de mão de transportar terra e com um deles, que se debatia e gritava, em seus braços, preparava-se para os atirar para o fundo do poço.
Leila, manteve o sangue frio e pegando num ferro que estava por ali abandonado, ou que alguém , ou Deus, colocara ali, correu na direcção de seu Raimundo e zás, derrubou-o com uma única pancada.
Desamarrou os filhotes, chamou o socorro para o marido inerte e partiu para casa de um irmão, Flávio, que a acolheu e queria partir para acabar com seu Raimundo. Leila não o permitiu. Agora havia que partir para outra situação. Não podia continuar naquele lugar e não confiar mais em deixar seus filhos sós.
Entregou-se ao sonho dia e noite. Raimundo escapara ao golpe e estava no hospital se recuperando. Leila contactou seus irmãos que estavam em Portugal que, alertando-a para as dificuldades da integração a entusiasmaram a partir em vez de viver enclausurada no seu imenso Brasil tendo um marido fixado na morte de seus próprios filhos.
Congeminou o sonho, espartilhou-o, reuniu pedaços que colou, projectou sua nova vida num país estranho, mas onde a língua e a cultura se assemelhavam. Haveria de encontrar gente de bem. Consolidou o sonho como uma predição e era já a realidade que a transportava no enorme avião em que se estreava como viajante dos ares, tão próxima de onde lhe vinham os sonhos.
Aceitou a indicação de um irmão para que ficasse numa cidade pequena, junto ao mar, de onde sempre podia imaginar o seu Brasil ao fundo, quando se desce, seguindo a inclinação do por do sol.
Viveu dias de grande dificuldade, de não ter o que comer, mas as crianças era o que mais a incomodava, Ter comer para as crianças. Leila sempre acreditava que havia de criar seus filhos e só depois morrer. Projectou ajudas e encontrou almas que se dispuseram a dar-lhe ferramentas de defesa e de construção dos seus alicerces para sobreviver à enxurrada.
Gente certa no lugar certo e que tinha da ideia de proporcionar ensinamentos para pescar, uma outra realidade e que era a de que, até se aprender, era preciso ter de comer e onde ficar.
E foi assim que de sonho positivo em sonho positivo, extrapolando do sonho a sua realidade a que era e a que queria, que alugou casa, obteve ajuda oficial, sobrealogou a um amigo de infância caído do céu, um quarto vazio, e foi montando um salão de cabeleireiro para cujo sucesso muito contribuiu a sua arte, o seu optimismo e a partilha de tudo o que sentia de positivo com aquelas almas que a ajudavam.
Os filhos cresciam, saudáveis e felizes. Persistiam dificuldades, mas menores, um pouco mais de tempo, sem pressas, e conseguiria . Foi então que lhe sobreveio um diagnóstico médico que a deixou abalada. Seu rim estava desfeito, sem cura, era preciso encontrar um dador compatível urgentemente e a inscreveram desde logo em lista de espera para transplante e que procurasse junto da família, alguém que se dispusesse e fosse compatível.
Escreveu para Minas, a seu irmão Flávio, que era de todos o que sentia mais no interior de si própria e ele a ela, como se fossem ou tivessem sido projectados para gémeos.
Ele respondeu de imediato, que marcasse a consulta para os testes que ele vinha logo. E veio. Era uma tarde quente daquele Verão Estiado, o sol no pino do dia a transmitir força à sua alma sonhadora que acreditava com um sorriso num desfecho positivo que a libertaria do sufoco de se saber condenada a não cuidar mais de seus filhos.
Feitos os testes, o irmão era compatível e estava disposto a doar-lhe um rim para que ela sobrevivesse. Se tudo corresse bem, ambos festejariam o mistério da continuidade de suas almas sobre a vastidão do Planeta.
Leila lembrou-se de dar uma festa enquanto aguardava o dia ,já marcado, para a operação de transplante. Todos os dias eram uma festa do seu espírito positivo, mas esta seria uma festa em que reuniria amigos e amigas que sentia tão próximos de si que eram como se a sua alma poisasse em cada um deles sempre que queria descansar. Além de que a preocupava, não por si, mas pelo irmão. A operação podia correr mal e morriam os dois, mas podia morrer só um deles. Se fosse ela, já estava destinada, mas o irmão que estava são, seria uma dor que a acompanharia toda a vida se sobrevivesse. Mas queria acreditar no sucesso total.
A festa ia animada, noite dentro, Leila, seu irmão Flávio e os amigos, musica Brasileira, samba e canções de sucesso no Brasil e em todo o mundo. O telemóvel toca insistentemente, mas o ruído da música abafava, as vozes em uníssono que se reuniam na orgia das almas. Os copos de mão em mão, mais cerveja, caipirinhas, e é quando algo a aproxima do local de onde pode ouvir o toque nítido, agora evidente, do celular, que a chama.
Atende e ouve, do outro lado, como se de si,ou de um além estranho, a voz afável e quente que lhe diz:
_Leila!...
_Sim, sou eu!...
_Leila, ainda bem que está em casa. Temos um rim disponível, uma pessoa que acabou de morrer, tem de estar pela manhã cedo no hospital,seis horas. Pode?...Quer?:::
_Sim, lá estarei, vou já se quer!...
Respondeu tudo automático, como se fosse uma outra pessoa, uma outra de si, ainda longe da realidade da festa quando se virou e gritou num tom de alegria imensa.
_Gente!...Parou a música!...
Todos se calaram, os olhos apreensivos de entre a névoa do álcool, de entre o eco das cantigas da Pátria longínqua, atentos ás palavras.
_Gente, eu sabia, eu sentia que Deus não queria submeter o meu Flávio a esta prova de amor. Tenho um dador e vai ser já daqui a pouco que vou ser operada.
Um grito de alegria, mais cerveja, mais música e Leila e Flávio abraçados , chorando como uma só alma na orgia da festa.
A operação correu bem e Leila regressou a casa, casa vazia de seus amores, os filhos ficaram com um irmão dela até que tudo em si voltasse à normalidade. Vivia só, Leila, com seus sonhos, havia de ter uma casa dela, um marido que a respeitasse e que com ela quisesse romper as brumas que se envolviam no sonho. Ser feliz, criar os seus filhos.
No hospital disseram que se sentisse alguma perturbação fosse directo lá. Nada de outros hospitais.
Estava ela nas congeminações de tornar realidades novos sonhos, quando começou a sentir um calor imenso que a percorria e se instalava, como se um fogo de chama e labareda sem fumo, sem aviso prévio a quisesse consumir lentamente. Tentou levantar-se e caiu no chão, os pensamentos longe. Ouvia tocar o telefone, mas não via o telefone. O pensamento nos filhos, sentia que ia morrer. E não queria morrer sem ter cumprido o que achava de direito, ter os filhos criados, os filhos que salvara do poço, os filhos que não pediram para nascer, os filhos que eram toda a luz da sua alma. E o telefone que tocava e não o via, não sabia de onde esse barulho estranho que ela própria instalara. Ia morrer, Ia morrer...
Lá está, com esforço, arrastando o corpo cada vez mais pesado, o volume a aumentar, o seu corpo ainda esbelto, agora disforme,
_Leila!...Leila!...
Ouvia a voz de Ana, uma amiga de cá, do coração, da alma e a voz que não lhe saía....
_Ana, vou morrer!...
-Leila, vou já para aí, abra a porta e ponha um sapato, alguma coisa, que mantenha a porta. Vou já para ai...
Abriu a porta de baixo, colocou um sapato a impedir que a porta se fechasse e deixou-se ficar, sentia que a vida se esvaia de todo. Os filhos...
Ana chegou e depara-se com o quadro indescritível, o corpo inchado de Leila, a febre elevada e a voz dela, sussurrante.
_Ana, eu não vou morrer sem ter criado meus filhos. Me leva, Ana...
Ana chama a emergência, os bombeiros chegam rápido mas querem levar Leila cumprindo os preceitos legais, primeiro o hospital de residência. Ana discute com eles a urgência de a levar ao hospital que a operou, eram essas as indicações.
Exaltam-se, discutem e Ana toma uma resolução.
_Ajudem-me a coloca-la no meu carro eu levo-a!...
Os bombeiros Olham-na surpreendidos e executam o pedido. Ana parte a toda a velocidade.
Vai sem controlo emocional, olha o corpo de Leila que arde a seu lado, mal respira, julga que a leva morta, conduz todo o trajecto como se fosse uma outra pessoa e não ela. Vocifera contra o trânsito que lhe obstrui a passagem, buzina.
Não sabe muito bem onde fica o hospital mas guia o carro por estradas e ruas, sons e cheiros de um corpo que lhe parece já não ser. e, de repente, o nome do hospital ante os seus olhos, como se uma visão e não uma realidade, como se algo ou alguém que não ela a tivesse conduzido com a precisão infalível de um mecanismo irreal, absurdo.
Viu o corpo que a urgência levava e aguardou na sala um veredicto que se recusava a acreditar. Leila...
O médico surgiu como uma visão aos olhos de Ana.
_E então Dr.?...
_Salva por um milagre da prontidão com que a trouxe.
Leila, tudo projectado mulher, por entre as brumas do sonho
É o que me proponho. Escrever sobre vidas anónimas que valem as luzes da ribalta ou a fixação histórica e que traduzem a essência de um povo. Primeiro de uma família. Primeiro ainda, ou antes de tudo, a essência de um homem, de uma mulher.
Escreverei por encomenda, preços de acordo com extensão e pesquisa de documentação. Mas com a paixão que o percurso proposto me suscitar.
Aguardo a vossa proposta. É uma oferta bonita de Natal ou Aniversário.
J.R.G.
A praia, na descida da maré, deixava um imenso espaço de areia rija que proporcionava um belíssimo campo de futebol ou para outras práticas desportivas. Escolhiam as equipas por entre os que se juntavam, ansiosos de serem escolhido pelo líder, não tanto pela habilidade, mas pelo compromisso de ser família, ou amigo, ou interessado de ou em algo que interessava no momento e que ditava a escolha da equipa que defrontaria a outra de um bairro diferente e escolhida nos mesmo moldes e compadrios.
Mariano tinha habilidade, gostava do jogo, de fintar o adversário, correr para a baliza e fazer golo. Os festejos, a cara de raiva dos outro, tudo o alegrava e havia ainda as raparigas, que em volta do recinto demarcado com os pés, riscos imperfeitos e que junto ao mar, o vai e vem da maré ia desfazendo a tempos. Raparigas que apoiavam uma e outra equipa, consoante fosse a dos seus ídolos ou namorados, ou amigos.
Nascido de uma família humilde, Mariano tinha a paixão do futebol, o sonho de igualar os vultos em destaque no momento, ser ainda maior, ser cobiçado por um clube da cidade, ganhar muito dinheiro e poder ajudar a família. Poder comprar de tudo o que gostava, mas sobretudo, ser aplaudido por milhares de pessoas que gritariam o seu nome nos estádios.
Tinha uma namorada, a Nanny, cujo nome advinha de os pais terem estado emigrados em Inglaterra, novos ricos que se opunham ao namoro, por serem muito jovens diziam, mas ele sabia, ou sentia que era por serem pobres, abaixo do limite de ser aceitável ter sonhos possíveis, com uma menina bonita a quem não faltava nada em bens materiais.
Alfredo era olheiro ao serviço de vários clubes e dizia-se que tinha faro para descobrir pequenos prodígios na arte de mexer na bola. Os seus olhos de falcão em constantes movimentos, acompanhando o desenlace das jogadas de ataque, atento aos defesas, aos guarda redes, aos avançados e sobretudo os pontas de lança.
Já tinha notado a arte de Mariano, as potencialidades que, desenvolvidas num grande clube, fariam despontar toda a classe do jovem Mariano e lhe poderiam render largo milhares.de transferência em transferência.
Falou com o pai, ofereceu-lhe dinheiro e conseguiu que ele assinasse um contrato para tratar da vida futebolística do filho, incluindo os eventuais futuros direitos de imagem.
Mariano tinha terminado o 9º ano e ainda ia fazer 15 anos, mas tinha intenção de continuar a estudar. Ser jogador e estudar. Recebeu a noticia do contrato com o Alfredo, o pai entusiasmado, a mãe falava pelos cotovelos, ria-se, os olhos brilhantes. Nunca a vira tão contente, e era apenas um contrato, uma promessa, sequer havia um clube.
Sim, mas o Alfredo agora iria mexer-se. Depressa arranjaria algum interessado em o experimentar e contratar.
Alfredo mexeu-se mesmo. Tinha gravado os jogos de praia em que Mariano exibia as suas qualidades. Apresentou-os aos dois maiores clubes da cidade e obteve a garantia de um deles que queria ver o rapaz a jogar, rápido, antes que fosse a leilão e encarecesse a contratação.
A noticia foi recebida em casa de Mariano com grande alegria e muita excitação. Faziam-se planos para o imediato. Uma casa nova e confortável. Um carro que substituísse o velho Renault, roupas novas, ouro, viagens a acompanhar o filho em todos os jogos fora...
Nanny, a namorada, cautelosa, temendo o êxito rápido, as fãs, o delírio da juventude de Mariano, foi-lhe dizendo que não abandonasse a escola, que ela gostava dele e que tinha o sonho de ser sua mulher, de terem filhos, construírem uma família.
Durante três anos a equipa ganhou os torneios todos em que participou. O treinador gostava dele e colocava-o sempre a jogar. A equipa foi formada para fazer o jogo, as tácticas do jogo, de acordo com o perfil de Mariano e ele foi nesses três anos o melhor marcador de sempre na categoria em que jogava.
Mariano acabou o 12º ano já com alguma dificuldade, dada a natureza esforçada dos treinos, as chamadas à selecção. Mas Nanny, sempre na primeira linha do encorajamento a que não desistisse. Amavam-se e ele fazia tudo o que ela lhe dizia.
O treinador principal, dos seniores decidiu-se a chamá-lo à equipa principal. Foi chamado a negociar um novo contracto, onde era já ele o responsável por si próprio. Sabia do seu valor, ainda que o que contasse era o colectivo, o entrosamento com os outros. Em nenhuma actividade se é o único factor de desenvolvimento, mesmo em nós, no turbilhão de bactérias, moléculas, células que se digladiam por nos controlar cada segmento de nós e que nos proporcionam o bem estar do êxito ou o mal estar do insucesso.
A entrada na equipa principal não foi brilhante para Mariano. Os lugares ali são disputados com uma violência psicológica a que ele não estava habituado. A exposição mediática aumentou e a critica mordaz, nem sempre consequente, ao sabor da disposição dos críticos e dos seus interesses e dos lobbies que os criam.
Foi um ano de altos e baixos, Nanny estava no último ano do curso de medicina e continuava
empenhada em que ele continuasse a sua carreira Universitária. O que se mostrava impraticável, com a rigidez disciplinar dos treinos e preceitos que envolvem os jogadores de alta competição.
Alfredo, o olheiro empresário, movia-se nos bastidores, em tentativas de fazer render o objecto que podia a todo o momento e em vista das dificuldades que via crescendo, desvalorizar-se no mercado..
Mariano, desconfortável no seio da equipa, rodeado de inveja e ante a recusa tácita dos companheiros, em o envolverem no entrosamento do conjunto da equipa, aceitou transferir-se para um clube estrangeiro.
Surgiram contratos publicitários que lhe trouxeram mais valias financeiras e imediatismo, o que atraía jovens bonitas, apenas bonitas à procura da emancipação e estatuto de vida fácil.
Nanny cansou-se. Médica estagiária, abraçou a carreira com o entusiasmo humanitário que
desde sempre cultivara no seu espírito.
Mariano tornou-se um ídolo em Espanha e conheceu a fama. Deixou-se envolver docilmente nos enredos da idolatria efémera. Era um jovem bonito e rico. E fazia a fortuna de vários dos detentores de facto da sua imagem. Ele era apenas o objecto. Foi o que descobriu quando uma lesão prolongada o afastou dos relvados por um largo período de tempo...
--------------------------------------------------------------------------------------------------
É o que me proponho. Escrever sobre vidas anónimas que valem as luzes da ribalta ou a fixação histórica e que traduzem a essência de um povo. Primeiro de uma família. Primeiro ainda, ou antes de tudo, a essência de um homem, de uma mulher.
Escreverei por encomenda, preços de acordo com extensão e pesquisa de documentação. Mas com a paixão que o percurso proposto me suscitar.
Aguardo a vossa proposta. É uma oferta bonita de Natal ou Aniversário.
J.R.G.
O Cocho e eu tínhamos um compromisso de partilha, selado na taberna da Americana num dia chuvoso de Dezembro, e frio, entre dois cortadinhos de excelsa qualidade, que ele bebia de um trago, numa pausa, enquanto eu os sorvia gole a gole, guloso de os saborear com evidente luxuria gustativa.
Ele desabafava de si, do interior de si, as memórias de acontecimentos da sua vida simples, eu ouvia-o .O sr. Manuel, como vimos anteriormente em http://neoabjeccionismo.blogs.sapo.pt ,.
O COXO, ficou sem uma perna e usava uma prótese artificial metálica, que os anos tornaram obsoleta, mas era o que tinha e que concertava inventando engenhocas, sistemas alternativos de molas e engates com arames, de forma a torná-la funcional.
Tinha quatro filhas, a Gi, a Bé, a Lu e a An. Quatro lindas meninas criadas ao sabor do tempo e de uma ampla solidariedade, num tempo em que vingava um tipo de humanismo saído da Revolução Francesa e que vinha vingando na civilização Ocidental, permitindo olhar para o homem como um ser infeliz de se encontrar amargurado ao levantar e bêbado ao deitar e que era preciso dignificar, estabelecido o conceito de ter o homem como fim., para cujo alcance valiam todos os meios: declarar a guerra, roubar, espoliar, prender, arrasar a natureza e exterminar os animais "nocivos" ao homem.
O pais vivia sob uma ditadura politica e económica, em ambiente semi rural, vida simples, beatificada pela Igreja e o temor a Deus e aos poderosos.
O Coxo viera para Lisboa ainda novo, ordenhara vacas e fora condutor de sidecar, ficara sem a perna, como vimos,e no tempo que vamos descrever, no inicio dos anos 50 do século XX, o coxo era continuo numa instituição de " previdência " do estado.
Casara com uma mulher oriunda de famílias poderosas, mas que fora excomungada, deserdada à nascença, em virtude de dois acontecimentos, o pai ter casado a contragosto da família, com uma mulher de meio diferente e por ter nascido gémea, as duas tão sem graça, felosas, e haver uma outra menina esplendorosa, irmã mais velha que morreu pouco depois... por ciúmes? constituiu o motivo de as considerar culpadas de terem nascido. Só a Maria sobreviveu, destas três e logo que ganhou corpo foi posta a servir em casa de famílias.
O Coxo conheceu-a como sopeira e viveram uma relação apaixonada. Maria era uma linda mulher, analfabeta, mas linda. O Coxo ainda frequentara a escola, sabia ler e escrever um pouco. Era um homem bonito, bem parecido, baixo, moreno, olhos escuros e vivos. Ambos eram ricos em sabedoria interior e humanidade.
Ele já tinha mais de quarenta anos, ela à beira dos trinta. Ela deserdada pelos seus, ele deserdado pela vida e estavam na iminência de herdar uma família.
Maria ficou grávida e logo pensaram em casar, porque o Coxo era homem de palavra. Gostava dela e queria seguir o tempo. Se o tempo era o mestre, como que um Deus, se havia um mínimo, uma base de partida, uma casa de família para os abrigar, se havia a possibilidade de uma casa social, era dar tempo ao tempo.
Nasceram as três com intervalos curtos. A Gi, a Bé, a Lu, esta já na casa nova. Maria trabalhava agora numa fábrica de conservas de peixe que abrira de novo. Trazia peixe escondido entre os seios. O trabalho de continuo acabara porque o Coxo apanhou tuberculose. Esteve à morte, mas o tempo deu-lhe a mão, recuperou-o para o que havia de vir. E tornou-se carpinteiro de arranjos e de pequenas peças de utilidade que fazia no quintal da casa, sob um pinheiro manso, frondoso e entre canteiros de uma horta que lhe fornecia a sopa. Tinha arte nas mãos calejadas que lhe advinha da alma simples.
Havia momentos de alegria, as raparigas faziam peças de teatro inventadas na imaginação, por histórias e anedotas picarescas que o Coxo contava e pelos livros de leitura que a mais velha já lia e crescia nos enredos.
Maria engravidou novamente. Ficou furiosa, que a vida já era difícil e mais um , como ia ser!...
O Coxo, sereno, que se arremediariam como até então. Havia trabalho. O tempo era a favor. A favor de quê? De quem?
O que ele escondia era a sua ansiedade, pela primeira vez sentia alguma pressa, por saber se seria enfim o filho varão que tanto desejva. Se não fosse não era, mas gostava, era a sua paixão há anos. Um filho homem, em que pudesse reinventar-se ao vê-lo crescer, estudar, ser homem completo, como o Jean Valgean dos Miseráveis de Victor Hugo, personagem que elegia como simbolo de bondade e de justiça.
Nasceu. E era um menino, como o Coxo desejava. O seu sorriso iluminou a noite, aquela noite em que a Gi foi chamar a correr a Tia Mariana, parteira oficial do bairro, e ele a colocar a panela sobre as brasas do fogareiro, para que tivesse tempo de ferver.
Ouviu o seu berro, um grito imenso que parecia de glória, pleno de pulmões, de vida. Comoveu-se, como não se lembrava á quanto. Fumou mais que o normal. E riu-se para dentro de si, olhando a Lua que se avolumava no cèu estrelado. Um filho varão!...
As filhas traziam leite do centro social. Os visinhos, uma galinha, um coelho, umas couves. O trabalho, pequenos arranjos, ia aparecendo e o JoMa, o seu rebento crescia e já se sentava num caixote de madeira que ele fizera em jeito de parque, de recinto só dele, para que não se sujasse na areia do quintal.
O Coxo no rasg, rasg do serrote e o puto brincando com pequenas peças que ele lhe fizera em madeira boleada e leve. E já queria falar : Pá ...e mais à frente, ainda disperso Pá.... E o Coxo, sorridente, a quem aparecia, a dizer que o miúdo parecia querer dizer papá.
Dava-lhe o biberão embevecido. As miúdas mimavam-no. O JoMa era um Sol.
_É pá, traz lá mais um traçado, mas cheio. _ os olhos dele brilhavam de humidade cristalina e eu surpreso, indaguei.
_Mas então, não foi um momento único de alegria?_ ele, dum trago, o copo cheio, a limpar os lábios, os olhos, os óculos, a colocá-los novamente em movimentos pausados.
Um dia, enquanto lhe dava o biberão de leite da manhã, sentiu que o menino parou. Não ria, os olhos parados, os braços caídos, quase inertes, convulsões estranhas.Fazia frio, mas o Coxo estava afogueado sem perceber o que se passava. Chamou uma vizinha. Ela veio e viu que o menino estava mal. Pediu a alguém que fosse chamar a Gi, a mais velha e que estava na escola. A Gi veio, oito anos, uma menina. Alarmou-se. Era preciso ir chamar a mãe à fábrica e foi, numa correria, por entre os arbustos da mata de Pinheiros, veloz como uma gazela fugindo ao predador.
Maria, esforçada desde as 6 da manhã, arrancada à disciplina mórbida imposta na fábrica, por um motivo de força maior. Chegou e viu que o menino respirava com dificuldade, mas respirava, embrulhou-o numa mantinha e correu para o barco. Em Lisboa apanhou o electrico, o menino nos braços, os olhos baços, o coração asfixiado num espaço tão curto do seu peito que arfava. Silêncio. Alguém perguntou sobre o menino e ela, que ia simplesmente ao hospital. Estava mal, não chorava, não gemia, mas respirava, ou era ela que o fazia por ele, que lhe emprestava do seu ar, ou que se confundia, o confundia.
No hospital o médico olha o menino, olha Maria, levanta os olhos a querer talvez fugir dali e diz-lhe:
_Está morto!...
Maria incrédula, mas.. e o médico
_Se não quer que ele fique cá, leve-o para evitar mais despesa. Vá num táxi, ninguém pode saber que o leva morto.
-Num táxi? Diz Maria entre lágrimas. Não tenho dinheiro para isso.
O médico deu-lhe o dinheiro e disse que fosse em siêncio. E ela foi, com o seu menino nos braços.
No táxi, em silêncio, contendo as lágrimas, comprimindo o peito, em ânsias por chegar.
No barco, vizinhas, conhecidas, amigas. _ Então e o menino, está melhor? E Maria respondia que sim, que não podiam vê-lo porque dormia, dormia...
Á chegada a casa, o Coxo em pé, amparado à cancela do quintal, o vulto de Maria ao cimo da rua, A mata de po...Pinheiros mansos, o abraço de ambos, sem gritos nem choros. À espera do tempo
Podia ser o inicio de uma história de vida romanceada, a envolver negócios, empresas de estilo familiar que ainda são o sustentáculo do país. E a tragédia que os apanha desprevenidos e vai condicionar toda a estrutura familiar futura. Ou o êxito de empreendimentos pessoais, conquistados e construídos a pulso.
É o que me proponho. Escrever sobre vidas anónimas que valem as luzes da ribalta ou a fixação histórica e que traduzem a essência de um povo. Primeiro de uma família. Primeiro ainda, ou antes de tudo, a essência de um homem, de uma mulher.
Escreverei por encomenda, preços de acordo com extensão e pesquisa de documentação. Mas com a paixão que o percurso proposto me suscitar.
Aguardo a vossa proposta.
J.R.G.
É uma menina!
Disseram as vozes, quase em uníssono, dos que esperavam há horas o resultado do parto. A enfermeira trouxe-me para que o meu pai me visse e , contaram-me depois, ele fez um gesto ,largo e tão perto, de repúdio de mim, ou dele porque eu era uma parte de dentro dele. Talvez tivesse sido concebida sem amor, forçada, violentada a gerar-me a nascer. Chamaram-me Natália.
Cresci nos ambientes próprios de criança, fiz amigos, a Clarinha, a Odete, a Laura, o Pedro, o Fernandinho. Tantos que se esconderam no recôndito da memória.
Terminado o liceu, sem recursos, voltáramos para junto da avó, um pouco longe da Cidade, porque o meu pai saiu de casa por amor de outra mulher.
Lembro-me das férias na praia, dos amores de adolescente, inofensivos e de como sentia uma ânsia enorme de mudança, de procura. Eram todos lindos, os rapazes que me procuravam, e eu em busca de um, porque me diziam que deveria ser só um, que me enchesse os vazios que sentia, que me ardiam o peito, as vísceras, a alma...
autor:Nuno Milheiro
Arranjei trabalho numa livraria da cidade. Era um trabalho giro e contactava com muita gente que enchia a livraria no inicio do ano escolar. Mas eu queria estudar mais. Ter um curso superior era um objectivo que se fixava para dentro e de dentro de mim.
Inscrevi-me em Engenharia. Eu amava a matemática e tudo o que fosse de calcular, medir resistências, empoleirar-me em saliências, nas ruas, no parque da cidade, me entusiasmava, me excedia.Tive a minha primeira relação de sexo com o Pedro. Lembro-me dele, corado, arfante de também ele satisfazer pela primeira vez a curiosidade, o membro dele hirto a encher em balão a braguilha da calça justa. Eu gulosa dele, não o nego, a sorrir de o ver desajeitado a tentar introduzir-se em mim, que ainda não tirara as cuecas. Foi agradável, sentir o jacto dele inundar-me, quente, palpitante. Mas tive prazeres maiores, mais tarde, já adulta, meio adulta.Trabalhava e estudava e os anos iam passando, eufórica, eu, de mim, triste e alegre quase em simultâneo. Triste nos momentos de mim, que cresci sem a referência do meu pai. Agora guardava as imagens de violência sobre a mãe e eu própria. O choro da mãe. A minha mami.Que me protegia com o seu corpo frágil e dócil. Odeio o meu pai. É um ódio que foi crescendo de mim, que me provoca instabilidade emocional. E penso como eu precisava de um pai. Um amante, um marido, que fosse ao mesmo tempo como um pai, que se cruzasse como um rio. Que me amasse, sentir-me amada. Que me protegesse de mim, da minha instabilidade congénita.Formei-me em Engenharia Civil. Guardo as festa académicas. Os EFERREÁ. As bojecas, as amizades que perduram.Casei e tive uma menina como eu. Linda como eu. Ser mãe, um sonho adiado há tanto que quase deseperava. O meu marido desiludiu-me. Tive amantes. Bastei-me de sexo mas não de amor. Alguém que me amasse a alma. Que me olhasse para o interior de mim. Que olhasse os meus olhos tristes e me descodificasse.É o que me proponho. Escrever sobre vidas anónimas que valem as luzes da ribalta ou a fixação histórica e que traduzem a essência de um povo. Primeiro de uma família. Primeiro ainda, ou antes de tudo, a essência de um homem, de uma mulher.
Escreverei por encomenda, preços de acordo com extensão e pesquisa de documentação. Mas com a paixão que o percurso proposto me suscitar.
Aguardo a vossa proposta.
J.R.G.
8 seguidores
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.