PARTE III
O Paulo, a Mila e a restante família que eles são, convivem amiúde e resolvem programar uma viagem em conjunto à África do Sul, só os quatro, sem os miúdos, o que não agrada muito a Ana, deixar os filhos...mas deixa-se entusiasmar com a ideia, cedendo aos argumentos de Paulo, o ambiente inóspito para os miúdos, a maior mobilidade a que poderiam permitir-se.
Paulo gosta particularmente de África, de Itália, Grécia, fica eufórico com a possibilidade de realizar esse sonho e confia plenamente na planificação de Maria Emília, do seu conhecimento profundo dos cheiros e sabores enigmáticos que rodeiam o continente negro.
Paulo Jorge tem um livro que é seu companheiro inseparável, um tesouro da alma, onde rabisca desenhos, de pessoas, de monumentos… e regista apontamentos emotivos ou de aspectos salientes das viagens, é o seu livro de memórias pictográficas que partilha com outros intervenientes, a quem pede que desenhem, que escrevam palavras que expressem sentimentos, como uma marca de água da alma. Sente um orgulho exuberante do seu livro. Ele chama rabiscos ao que Mila considera manifestações da sua veia artística. É um facto que Paulo intimamente reconhece que gosta das palavras dela, da forma como ela sente a valia dos seus desenhos, do calor que ela imprime na apreciação das suas qualidades de homem e de amigo e pensa que um homem não pode nem deve isolar-se que a vida humana, como nos outros animais entre si, tem pessoas extraordinárias, de uma riqueza espiritual que se complementa na partilha de gestos, de emoções, de vivências.
Mila é uma mulher com essa riqueza de emoções raramente encontrada em outras amizades que tivera. Discute, muitas vezes os pormenores menos visíveis, se não concorda e entende a amizade como ele próprio, uma busca incessante de ser em alguém um espelho fora da dimensão do casal, um espelho desapaixonadamente apaixonante. É uma situação complexa e difícil de aceitar, sem uma ponta de ciúme, por outra mulher e ele nota que Ana sempre que participa nos eventos que organizam, as degustações, em restaurantes que escolhem pela qualidade dos produtos e do serviço que prestam, se retrai, se interroga, e que por vezes se silencia, se ausenta a pretexto dos filhos. E por mais de uma vez ao surpreende-lo, os olhos fixos numa imagem, um corpo de mulher, vistosa, o questionou.
É verdade que tem um fascínio pelo belo e pensa que a mulher, quando bela, é um ser fascinante, na exuberância dos gestos, na pose natural, na forma como fala, na expansão que provoca de ressonâncias silenciosas, a sua evidência feminina que pode muito bem ser considerada origem e fim de toda a criação. Arte, pura arte, é como Paulo encara essa absorção súbita e contemplativa em que cai, por espaços de tempo, numa pausa suspensa de atracções fortuitas, livres do caos libidinoso em que mergulha a mente no comum dos mortais. Mas O Paulo, sendo, não é um homem comum…
Desde novo rebelara-se contra os preconceitos existentes na sociedade em que se inseria, detestava ser subserviente de vivências absurdas e procurava rodear-se de essências que o complementavam ou lhe permitissem a extrapolação de si para um patamar existencial onde ele fosse o actor principal, sem soberbas, mas porque se sentia impulsionado para ser o autor do seu modo de viver, engajado nele próprio, cúmplice nas perdas e nos ganhos. Mila tem sido grande impulsionadora para que se reveja nas suas complexidades, nem sempre racionalizadas nas suas convicções.
Ana. É um facto que a paixão dos primeiros momentos não tem a mesma chama, mas Paulo tem por Ana uma grande ternura e admiração, aceita o sendo que uma relação é, consubstanciada em amor, ternura, amizade e respeito pela identidade, pela mudança. A alteração dos cheiros do corpo, também no dele, se não for entendida que há como que uma mutação permanente em tudo do corpo, a fisionomia, a graciosidade da juventude, porque é na alma que subsiste a diferença e na memória que se revitaliza a substância de uma relação de amor, o estado da alma, o acordar dos genes em cada manhã.
A construção da pessoa, da sua personalidade, a sua essência é geradora de mudanças inevitáveis, perceber isso, redimensionar-se a cada etapa, a cada desassossego. Às vezes pensa em bigamia, poligamia, alma livre e responsável, uma revolução dos conceitos, o refrescar da chama a cada abrandamento do sentir do coração. Retrocede, refugia-se na prática já milenar do hábito sobre o casamento, a fidelidade ao juramento nupcial, a lealdade aos princípios do berço, mas não esconde que gosta de discutir o tema, de se aprofundar.
O amor é anormalmente possessivo, o meu marido…, a minha mulher… E Paulo sente a necessidade de, num espaço solitário de si, extrapolar-se no lado de lá da família, isolar-se e olhá-los dentro e fora de si próprio: Ana, os filhos, Diogo, tão inteligente, tão parecido com ele, orgulhoso de se rever em alguns dos aspectos do filho e Inês, definitivamente a mais bela de todas as mulheres que vira ou fixara até então. Ele perante ele e sente que é um homem íntegro.
A amizade é um outro enigma da alma, Paulo sabe dos interesses de amizades sem princípios, de circunstância, de fuga a respostas urgentes e imediatas. Conhece bem essas amizades sempre presentes na alegria, na abundância e que se auto-suspendem perante a urgência dum desprendimento de interesse próprio, de se empenharem na resolução do problema, hoje eu, manhã tu, ou sempre eu que sou a parte mais frágil, ou sempre tu, sem contagem de quantos favores, sem considerar isso de favores, ser na amizade do outro, ao outro, uma evidência da alma, da condição humana. A amizade que perdura para além da discórdia, que afronta as nossas convicções que nos faz regressar à terra sempre que alunamos e ao lado de quem nos sentimos maravilhosamente, ainda que distantes no espaço físico, ainda que nos silêncios que transmitem emanações de confiança. Amizade solta, forte e profunda, mas livre de preconceitos, de todos os preconceitos, cúmplice de intimidades, de segredos partilhados na sã convicção de que são reflexivos, os segredos, e se enovelam uns nos outros apenas com a intenção de nos amedrontar.
A viagem à África do Sul foi fascinante, um deleite na riqueza exuberante das paisagens, nos cheiros ímpares, nos sabores experimentados e reconhecidos como de excepção e no fortalecimento da concepção de que há algo de mágico naquele ambiente enigmático, nos sorrisos das pessoas, os olhos negros, brilhantes e indecisos ou interrogativos.
Paulo gravou, com o seu punho, impressões fantásticas no livro de registos, onde se revê num qualquer ressurgimento de um espaço de saudade e colheu preciosidades, desenhos, frases com e sobre motivos étnicos, rabiscapintarolados por si próprio e pelos naturais Africanos. Um sonho embebido de realidade.
África, que era já uma paixão que o tomava no seu imaginário, aprofundava-se nele, agora, numa ligação mais intimista com a ancestralidade do homem, como se fora nela, desde as origens.
O livro, aliás, é já um testemunho da sua própria vivência erradia, é o local mais livre em que ele, Paulo se encontra consigo e se transcende.
expressem sentimentos, como uma marca de água da alma. Sente um orgulho exuberante do seu livro. Ele chama rabiscos ao que Mila considera manifestações da sua veia artística. É um facto que Paulo intimamente reconhece que gosta das palavras dela, da forma como ela sente a valia dos seus desenhos, do calor que ela imprime na apreciação das suas qualidades de homem e de amigo e pensa que um homem não pode nem deve isolar-se que a vida humana, como nos outros animais entre si, tem pessoas extraordinárias, de uma riqueza espiritual que se complementa na partilha de gestos, de emoções, de vivências.
Mila é uma mulher com essa riqueza de emoções raramente encontrada em outras amizades que tivera. Discute, muitas vezes os pormenores menos visíveis, se não concorda e entende a amizade como ele próprio, uma busca incessante de ser em alguém um espelho fora da dimensão do casal, um espelho desapaixonadamente apaixonante. É uma situação complexa e difícil de aceitar, sem uma ponta de ciúme, por outra mulher e ele nota que Ana sempre que participa nos eventos que organizam, as degustações, em restaurantes que escolhem pela qualidade dos produtos e do serviço que prestam, se retrai, se interroga, e que por vezes se silencia, se ausenta a pretexto dos filhos. E por mais de uma vez ao surpreende-lo, os olhos fixos numa imagem, um corpo de mulher, vistosa, o questionou.
É verdade que tem um fascínio pelo belo e pensa que a mulher, quando bela, é um ser fascinante, na exuberância dos gestos, na pose natural, na forma como fala, na expansão que provoca de ressonâncias silenciosas, a sua evidência feminina que pode muito bem ser considerada origem e fim de toda a criação. Arte, pura arte, é como Paulo encara essa absorção súbita e contemplativa em que cai, por espaços de tempo, numa pausa suspensa de atracções fortuitas, livres do caos libidinoso em que mergulha a mente no comum dos mortais. Mas O Paulo, sendo, não é um homem comum…
Desde novo rebelara-se contra os preconceitos existentes na sociedade em que se inseria, detestava ser subserviente de vivências absurdas e procurava rodear-se de essências que o complementavam ou lhe permitissem a extrapolação de si para um patamar existencial onde ele fosse o actor principal, sem soberbas, mas porque se sentia impulsionado para ser o autor do seu modo de viver, engajado nele próprio, cúmplice nas perdas e nos ganhos. Mila tem sido grande impulsionadora para que se reveja nas suas complexidades, nem sempre racionalizadas nas suas convicções.
Ana. É um facto que a paixão dos primeiros momentos não tem a mesma chama, mas Paulo tem por Ana uma grande ternura e admiração, aceita o sendo que uma relação é, consubstanciada em amor, ternura, amizade e respeito pela identidade, pela mudança. A alteração dos cheiros do corpo, também no dele, se não for entendida que há como que uma mutação permanente em tudo do corpo, a fisionomia, a graciosidade da juventude, porque é na alma que subsiste a diferença e na memória que se revitaliza a substância de uma relação de amor, o estado da alma, o acordar dos genes em cada manhã.
A construção da pessoa, da sua personalidade, a sua essência é geradora de mudanças inevitáveis, perceber isso, redimensionar-se a cada etapa, a cada desassossego. Às vezes pensa em bigamia, poligamia, alma livre e responsável, uma revolução dos conceitos, o refrescar da chama a cada abrandamento do sentir do coração. Retrocede, refugia-se na prática já milenar do hábito sobre o casamento, a fidelidade ao juramento nupcial, a lealdade aos princípios do berço, mas não esconde que gosta de discutir o tema, de se aprofundar.
O amor é anormalmente possessivo, o meu marido…, a minha mulher… E Paulo sente a necessidade de, num espaço solitário de si, extrapolar-se no lado de lá da família, isolar-se e olhá-los dentro e fora de si próprio: Ana, os filhos, Diogo, tão inteligente, tão parecido com ele, orgulhoso de se rever em alguns dos aspectos do filho e Inês, definitivamente a mais bela de todas as mulheres que vira ou fixara até então. Ele perante ele e sente que é um homem íntegro.
A amizade é um outro enigma da alma, Paulo sabe dos interesses de amizades sem princípios, de circunstância, de fuga a respostas urgentes e imediatas. Conhece bem essas amizades sempre presentes na alegria, na abundância e que se auto-suspendem perante a urgência dum desprendimento de interesse próprio, de se empenharem na resolução do problema, hoje eu, manhã tu, ou sempre eu que sou a parte mais frágil, ou sempre tu, sem contagem de quantos favores, sem considerar isso de favores, ser na amizade do outro, ao outro, uma evidência da alma, da condição humana. A amizade que perdura para além da discórdia, que afronta as nossas convicções que nos faz regressar à terra sempre que alunamos e ao lado de quem nos sentimos maravilhosamente, ainda que distantes no espaço físico, ainda que nos silêncios que transmitem emanações de confiança. Amizade solta, forte e profunda, mas livre de preconceitos, de todos os preconceitos, cúmplice de intimidades, de segredos partilhados na sã convicção de que são reflexivos, os segredos, e se enovelam uns nos outros apenas com a intenção de nos amedrontar.
A viagem à África do Sul foi fascinante, um deleite na riqueza exuberante das paisagens, nos cheiros ímpares, nos sabores experimentados e reconhecidos como de excepção e no fortalecimento da concepção de que há algo de mágico naquele ambiente enigmático, nos sorrisos das pessoas, os olhos negros, brilhantes e indecisos ou interrogativos.
Paulo gravou, com o seu punho, impressões fantásticas no livro de registos, onde se revê num qualquer ressurgimento de um espaço de saudade e colheu preciosidades, desenhos, frases com e sobre motivos étnicos, rabiscapintarolados por si próprio e pelos naturais Africanos. Um sonho embebido de realidade.
África, que era já uma paixão que o tomava no seu imaginário, aprofundava-se nele, agora, numa ligação mais intimista com a ancestralidade do homem, como se fora nela, desde as origens.
O livro, aliás, é já um testemunho da sua própria vivência erradia, é o local mais livre em que ele, Paulo se encontra consigo e se transcende.
autor do texto: J:R:G
nota:
este é um capítulo dum pequeno livro, formato A/5, 32 páginas, que criei sob encomenda, fixando aspectos da vida de um homem e as teias que entrelaçam a amizade e consubstanciam um modo de viver.
Foi uma oferta de Natal, mas pode ser uma oferta de aniversário, de amor, de amizade, aguardo os vossos contactos.
o autor: jrg