EDITORES E LIVREIROS...REFLEXÕES AVULSAS SOBRE UM TEMPO
Estamos no final da década de 60 inicio de 70, anos cruciais no desenvolvimento da capacidade critica dos Portugueses, no desenvolvimento de actividades que permitiriam o elevar da auto estima individual e colectiva.
Tinha havido Maio de 68 e o país devastava-se numa guerra traumatizante contra a história e deixava escapar de si, muita da inteligência que nenhum povo pode prescindir sob pena de atrasar o acompanhamento dos demais povos desenvolvidos e empenhar a sua projecção como evidência de Nação. Ouvia-se os rumores de tempos novos. Soavam tambores.
Proliferavam editoras de livros, médias e pequenas e edições piratas e de autor, que procuravam publicitar ideias e conceitos que o regime politico proibia que se editassem pela via legal.
Ser Editor, era um trabalho prestigiado e prestigiante, que atraía idealistas da palavra, percursores de mitos que se vinham afirmando e de outros que eram já fonte de valores emergentes numa nova ordem reclamada nas ruas de Paris e um pouco por toda a Europa.
A politica de edição e distribuição era a de levar o livro ao ponto mais recôndito. Onde houvesse uma loja que quisesse vender livros, ser depósito, montra de livros, não importava se papelaria e as livrarias eram muito poucas em todo o País.
A Verbo era a maior das editoras, com ligações ao regime e vida económica confortável, beneficiando de uma propaganda apoiada e entrada assegurada nos mecanismos que o estado apoiava, O Sousa Pinto dos Livros do Brasil liderava o mercado dos romances com a sua colecção dois mundos, O Lyon de Castro da Europa América, um estratega que soube desenvencilhar-se do estigma de opositor ao regime e beneficiou dum best seller de ocasião que apaixonou as opiniões públicas internacionais, o caso Chessman.. O Bolhosa na Bertrand, talvez a mais antiga editora e livraria do país
Os Fernandes da Portugália, o Salgueiro da Inquérito, este muito perseguido, pelo tipo de obras que publicava, ainda que de ciência como Bento de Jesus Caraça., O José Cardoso Pires na Arcádia. Na Morais o Alçada Baptista, os irmãos Manso Pinheiro na Estampa, O José Cruz Santos na Inova do Porto, um editor de gosto cultural muito apurado quer pelo conteúdo e natureza das obras que editava, quer pelo cuidado gráfico,as capas eram de autoria de Armando Alves, um vulto criativo das artes gráficas desse tempo. Os desenhos de José Rodrigues em obras maiores, como o álbum Poemas de Eugénio de Andrade.
De um modo geral, os editores editavam movidos pelo prazer de editar, com uma preocupação de serem uma parte importante no desenvolvimento cultural de um povo avesso a leituras que não fossem folhetinescas e de cordel.
Havia ainda um conjunto de editores que se destacavam pelo amor à divulgação de obras e autores que saíam do circuito comercial próprio de qualquer negócio. Cuja preocupação primeira não era o lucro, mas tão só, afrontar o sistema com obras consideradas malditas ou impróprias para consumo dos Portugueses.
Destaco Fernando Ribeiro de melo, pela sua irreverência e figura pública exuberante, não só pelo bigode tipo Salvador dali, como pelas conotações que corriam de que era Sado Masoquista. Ficaram célebres as edições de Sartre e Natália Correia entre outras e a originalidade de lançamentos feitos numa banheira ou em passeios de carroça descendo a Avª de Liberdade.
O Victor Silva Tavares e as suas edições em papel kraft de autores de grande projecção cultural, mas de diminuta aceitação comercial, uma originalidade absoluta em termos editoriais. A Ática, a Meridiano e a Contra Ponto do escritor maldito Luís Pacheco. Escrever no rossio, numa mesa ambulante, junto ao café Gelo, cravando a quem passava. Ou percorrendo os escritórios dos grandes senhores da finança, como o Vinhas a quem cravava aos cem e quinhentos, pela venda de uma primeira edição. O amor de editar.
A primeira editora rica de raiz que se estabeleceu em Portugal, quero crer que foi a D.Quixote, da Snu Abecassis, uma editora que satisfazia um sonho e que se propunha intervir e interveio, com a célebre história aos quadradinhos de Mafalda a Contestatária.O Nelson de matos que a comprou, depois da morte da Snu, procurou dar-lhe o mesmo cunho apaixonado, e deu, mas não aguentou as novas mudanças dos tempos , porque não tinha as mais valias financeiras da fundadora, e viu-se obrigado a vender ao estrangeiro.
O livro era um mercado pobre, porque atrairia tantos devotos? Eram baratos, as margens curtas, não tendo crescido os ordenados na proporção, não sendo feitos de papiros do Egipto, não havendo tantos fogos nesse tempo, porque terão encarecido tanto, nos dias de hoje, se se tornou uma indústria de milhões, com direito a compras bilionárias de Editoras pesadas?
As Livrarias quase se contavam pelos dedos, A Bertrand, as Noticias, Sá da Costa, Portugal e Lello, A Rodrigues, do Macedo das resinas, rico e sovina, regateava um tostão, o Centro do Livro Brasileiro, A Petrony jurídica, a Barata, a Quadrante e a Livrelco que era uma livraria cooperativa de estudantes, progressista e onde pontificava um homem de grande saber e cultura, o Nuno, hoje na Galileu. A Ulmeiro do José Ribeiro, a Opinião, o Hipólito que me desapareceu, isto em Lisboa.
Em todo o país, para encontrar uma livraria teriamos de ir a Coimbra, Porto e Braga. No restante havia casas que vendiam livros.
Todos os profissionais que laboravam neste ramo de Comércio padeciam de um elo comum, a sua ligação visceral ao livro e à cultura de que ele era veículo. O cheirar a novidade, o aroma resinoso do papel, o cheiro vivo ta tinta, a forma idolatra com que se desfolhava cada folha. os olhos húmidos da emoção dos desenhos ou fotos das capas, dos caracteres tipográficos, um pormenor de estilo, uma marca de editor.Era uma espiral de amor que unia toda a pirâmide desde o editor ao carregador que fazia as entregas a pé.
O mundo da edição de hoje, alterou-se substancialmente. É uma indústria onde o que conta são os rácios de produtividade puramente económicos. Assiste-se à concentração perigosa de todo o mundo da edição. Há uma crise acentuada de valores em todo o país que é um reflexo, sempre, do que se passa no resto do mundo, mas elevado em grau e potências superiores. Os livros vendem-se pela sedução induzida das capas e dos efeitos publicitários. A imprensa e os outros meios de comunicação, atraem os leitores fabricando mitos e factos aleatórios que não libertam quem procura na leitura uma libertação interior. Um cultivar do ser e do saber mais e profundamente.
Subsistem , igualmente, pequenas editoras que procuram na segmentação de mercados, uma hipótese de sobre vivência. A Novalis do grande humanista, António rosa, um homem que se reparte em multi-funções de amor a causas que elegeu como parte da sua vivência de pessoa, abraçou a especialidade em Astrologia e outros temas cósmicos e de auto ajuda, com um propósito de servir, de ser parte de uma nova ordem emergente, mas paga a que preço, só ele sabe, eu apenas imagino, em afectações pessoais, familiares e financeiras, que não lhe tiram o prazer, o amor de continuar a editar, de ganhar um espaço num mercado violento, desonesto, porque os grandes compram tudo o que é espaço de exposição e aos outros resta o favor,a simpatia efémera dum momento, o trabalho árduo pela conquista de um pouco de visibilidade. A Pergaminho, a Assírio, A Campo das Letras...
Todas as editoras que continuam apegadas a uma ideia inteira de cultura, estão em dificuldades. Em breve haverá dois ou três grupos apenas...
Onde havia respeito pela diferença e pela identidade, hoje há atropelo e desprezo pela aventura de se editar por amor, por devoção a um principio de rigor ético e de missão.
Curiosamente, era antes que o país vivia em ditadura.!....Mas esta Democracia estranha que vivemos, de valorizações fictícias em bolsa, da riqueza, de capitais oriundos de obscuras proveniências, que arrasam tudo o que os incomode na sua passagem, ou compram ou asfixiam, tem os dias contados...